Direção: Brett Ratner
Roteiro: Zak Penn,Simon Kinberg
Elenco: Patrick Stewart (Professor Charles Xavier), Shawn Ashmore (Bobby Drake/Homem de Gelo), Ben Foster (Warren Worthington III/Anjo), James Marsden (Scott Summers/Cíclope), Kelsey Grammer (Dr. Hank McCoy/Fera), Cameron Bright (Jimmy), Halle Berry (Ororo Munroe/Tempestade), Hugh Jackman (Logan/Wolverine), Famke Janssen (Jean Grey/Fênix), Rebecca Romijn-Stamos (Raven Darkholme/Mística), Ian McKellen (Eric Lensherr/Magneto), Aaron Stanford (John Allerdyce/Pyro), Ellen Page (Kitty Pryde), Anna Paquin (Marie/Vampira)
Muitos previram o apocalipse quando o cineasta Brett Ratner foi anunciado como substituto de Bryan Singer no comando da franquia X-Men, temendo que o responsável por bobagens como A Hora do Rush e Ladrão de Diamantes fosse destruir uma série tão promissora. Ora, Ratner pode até não ser o mais talentoso dos diretores (e não é mesmo), mas está longe de ser um farsante como Paul W.S. Anderson, Jan de Bont e Rob Zombie – e mesmo que tenha falhado nos dois filmes citados anteriormente, saiu-se bem melhor em A Hora do Rush 2 e Um Homem de Família, que funcionam em seus respectivos gêneros. Mas o mais importante: como provou no subestimado Dragão Vermelho (infinitamente superior ao original), o cineasta sabe respeitar a lógica de séries iniciadas por outros realizadores, não sentindo a necessidade megalomaníaca de deixar suas próprias “marcas” em projetos que seriam prejudicados por uma atitude como esta. Assim, X-Men – O Confronto Final segue de perto a linha bem-sucedida de seus antecessores, utilizando a saga dos mutantes não apenas como desculpa para cenas de ação, mas também para estabelecer uma inteligente alegoria sobre a própria sociedade em que vivemos.
Escrito por Zak Penn e Simon Kinberg, o roteiro é hábil ao lidar com duas tramas distintas que, desenvolvidas paralelamente, acabam se encontrando de maneira inteligente no clímax da história, revelando uma estrutura cuidadosamente trabalhada: de um lado, temos a “ressurreição” de Jean Grey (Janssen), que se sacrificara no desfecho do capítulo anterior a fim de salvar seus amigos e que agora ressurge modificada, exibindo uma personalidade nova e imprevisível (batizada de “Fênix”); de outro, acompanhamos a preocupação crescente dos alunos e companheiros do professor Xavier (Stewart) diante da notícia de que o governo norte-americano encontrou uma “cura” para o gene mutante a partir dos poderes de um garoto mantido sob constante vigilância (Cameron Bright, num papel curiosamente similar ao que viveu no pavoroso Ultravioleta). Enquanto Wolverine (Jackman) e Tempestade (Berry) tentam lidar com os atos da Fênix, Magneto (McKellen) e sua Irmandade decidem declarar guerra aos humanos normais – e convencer Fênix a participar da batalha é parte fundamental dos planos do sujeito.
Contendo alguns dos momentos mais dramáticos da trilogia (e inquestionavelmente os mais trágicos), X-Men – O Confronto Final é um longa que se mostra corajoso ao romper com nossas expectativas sobre o destino de cada personagem, preocupando-se apenas em ser coerente com os caminhos tomados pela trama. Impactante desde o início, o filme retoma a discussão sobre preconceito ao exibir, já em seus primeiros minutos, um menino que tenta desesperadamente arrancar do próprio corpo os sinais de sua mutação - e quando é finalmente surpreendido pelo pai, a reação deste nem sequer se aproxima da compreensão ou mesmo da piedade: “Você, não!”, o sujeito lamenta, com um misto de dor e repulsa. Com isso, a série volta a estabelecer um paralelo óbvio entre mutantes e integrantes de qualquer minoria discriminada no mundo real, o que, como já apontei, é um dos atributos mais fascinantes da franquia.
Mas não é só: como todo bom exemplar de ficção-científica, X-Men 3 busca sempre mergulhar na lógica de seu próprio universo, desenvolvendo (no mínimo, propondo) discussões éticas e filosóficas a partir das possibilidades proporcionadas pelo conceito de mutação: seria correto, por exemplo, transferir a mente de um indivíduo à beira da morte para o corpo saudável de uma pessoa intelectualmente incapaz? Ainda que perguntas como esta não tenham conseqüências práticas em nosso mundo (ao menos, não por enquanto), a própria Filosofia desenvolveu-se a partir de discussões que, muitas vezes, eram estritamente hipotéticas, mesmo absurdas – e é nossa capacidade de divagar sobre problemas como estes que nos torna capazes de atacar questões de natureza mais palpável. Além disso, quando mutantes como Vampira se sentem tentados pela possibilidade de uma “cura”, o espectador é levado a considerar a necessidade que todos sentimos de sermos “aceitos” por nossos pares. A pergunta é: até que ponto estamos dispostos a abrir mão daquilo que nos faz únicos a fim de nos “encaixarmos”? O que é a praga do “politicamente correto” senão uma tentativa - possivelmente danosa a longo prazo - de tentar nos forçar a ignorar as diferenças naturais entre indivíduos, raças, credos, etc?
Apresentando diversos novos mutantes ao espectador, X-Men – O Confronto Final surpreende justamente pela diversidade e pela criatividade dos poderes vistos ao longo da projeção – entre estes, o da própria Fênix, cujas habilidades se revelam terrivelmente superiores às de qualquer outro personagem (e Ratner é competente ao ilustrar este fato, o que não é tão simples se considerarmos a dimensão dos feitos de Magneto, Xavier e Tempestade, entre outros). Resgatando alguns de nossos velhos conhecidos, como o cativante Wolverine e a sempre fascinante Mística, o roteiro também nos apresenta ao interessante Fera, cuja aparência bestial esconde um intelectual ponderado e defensor da diplomacia (estas curiosas contradições entre superfície e conteúdo também enriqueciam X-Men 2, particularmente através de Noturno, um católico de visual demoníaco). Aliás, Kelsey Grammer, com sua voz firme e elegante, faz um belo trabalho como este novo personagem, utilizando o olhar como ferramenta importante na composição de um homem que, embora contrário ao conceito de “cura”, não consegue conter a emoção ao vislumbrar, por alguns segundos, como seria voltar ao “normal”.
Ainda assim, a figura mais complexa (e, portanto, mais interessante) de X-Men 3 é mesmo Magneto, que, infelizmente, parece conhecer a Humanidade muito melhor do que seu sempre otimista amigo Charles Xavier – e não demora muito para que ele perceba que, no que diz respeito ao tal medicamento desenvolvido pelos humanos, há um limite muito tênue entre os conceitos de “cura” e “arma biológica”. Sobrevivente do Holocausto (“Já fui marcado uma vez.”), Magneto já viu a genética ser utilizada como fator de segregação em sua juventude e, por esta razão, agora demonstra uma visão estratégica que prega o ataque como melhor defesa. Isto, porém, não o impede de reconhecer o valor de seu velho companheiro Xavier – e é tocante testemunhar o respeito com que sempre se refere ao outro. Além disso, o desprezo de Magneto pelo “Homo sapiens” resulta em alguns dos momentos mais divertidos do filme, como sua surpresa ao perceber que os humanos são capazes de aprender com os erros do passado (ele reage como se visse um chimpanzé consertando um computador).
Trazendo seqüências de ação sempre eficientes, X-Men – O Confronto Final peca apenas em alguns de seus efeitos visuais, como o péssimo uso de cabos (os atores parecem simplesmente suspensos por fios; a ilusão de “vôo” raramente é alcançada). Por outro lado, o rejuvenescimento de Patrick Stewart e Ian McKellen na cena inicial é brilhante e certamente exigiu não apenas um impecável trabalho de maquiagem como também retoques digitais, com resultados impressionantes.
Encerrando praticamente todos os arcos dramáticos iniciados no primeiro filme, X-Men 3 é a comprovação de que, de fato, a Fox concebeu uma trilogia, e não uma simples série com capítulos independentes entre si – e a continuidade da história ao longo dos três filmes merece aplausos. E o melhor de tudo é que, mesmo deixando o público sair do cinema com uma satisfatória sensação de desfecho, o longa aponta, de maneira sutil, para a possibilidade de novas aventuras envolvendo aqueles personagens.
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